terça-feira, 28 de junho de 2011

Palavras belas para você


Deixar escorrer assim, por entre os dedos, a areia da ampulheta... 
Porque não adianta mirar além do que a vista permite.
Contemplar os minutos é mais sábio.

Fazer perpétuo o cheiro que criamos juntos, nossos suspiros e abraços.
Cada segundo longo de gostoso descanso que encontramos em fazer nada.
Quando apenas existimos, calmos, respirando num compasso natural.
E posso ouvir a batida do teu coração, a pulsação nos teus braços.

Se te sentes homem e menino ao mesmo tempo.
Sinto-me protegida e protegendo-te.
Enquanto os mundos giram, tempos e espaços infinitos. Alegrias e decepções alheias – e permanecemos...

Deixa que fluam as areias das dunas, ocupando o que é plano – tudo é móvel, e o tempo um velho sábio – ondulando a paisagem da vida.

Deixa assim deslizarem quentes e aliviantes as lágrimas, é o momento, e sabe lá o que vem no seguinte.
Há uma lógica oculta no que aparenta aleatoriedade.

E, talvez, não haja nada nessas linhas além de palavras.
Mas, era só isso: estava procurando palavras belas para você.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Sou livre

 Da Mulher Selvagem que habita até em Pessoa:
" Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida. "
Fernando Pessoa

Só Isto. Ou ao Mestre Pessoa



Há dias em que a razão não é nada.
O que pode, de fato, a razão provar?
Quantas angústias vão em cada individual coração
Neste planeta, pequeno, rodopiando...
Os olhos míopes da razão não vão além de algumas nuvens.

Creio eu em muito mais.
Não porque crer me deva dá qualquer segurança
Mas crer é, nesse caso, ir além do pouco que nos é dado
Conhecer.
Crer nesse caso, e digo o contrário, é duvidar.

E nisso tem-me inspirado o Mestre Pessoa
Que não podia chamar-se por nome mais democrático.
Porque é Pessoa que é falho.
Ser poeta é ser errante, perdido, desconfiado
Surpreso com a “eterna novidade do mundo”.

Ser poeta é fingir, e fingindo, chegar a crer.


Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê! 

Isto (Fernando Pessoa)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Já estava na hora do natalense ter voz ativa

Para saber mais sobre os protestos contra a atual prefeita de Natal (RN) e as reivindicações do movimento Foramicarla vá aqui.

terça-feira, 7 de junho de 2011

De instantes de terças



Ele enxugou a lágrima que escorria lentamente do rosto delicado dela. Apesar de tudo, do fim acertado, um sorriso. Como ele gostava daquela boca bonita, sensual, sorrindo... Ela era doce, voz suave, olhos vivos. Estavam os dois assim: mergulho num abismo macio e envolvente. 

Um bar. Uma mesa. Luz quente banhando de suavidade a cena.

Todos os detalhes ampliados pelo instante único e eterno da terça. Chuva. Vento. Trânsito, como a música de esferas múltiplas a se chocarem. As vozes, apenas pano de fundo. 

Só existia ela, só existia ele. 

A poesia dela era só para ele. Assim também o riso e o choro. Um certo teor alcoólico no beijo inesperado. Tão desejado e evitado. Um beijo e as armas da racionalidade se vão. Mero impulso e instantes irreversíveis. E o álcool traz a tona verdades loucas, pensamentos que não deviam escapar, escorrer macios da mente à língua.

Da língua à boca. Da boca à boca. Da boca à pele. Da pele à pele.

E a chuva.
E a noite.
E a terça que só ela e ele sabem...

E a licença poética permite que se ouçam ao fundo as palavras de Neruda: 

Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em Natal não amanhece ainda a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Bagé,
pensar que separados por trens e nações
tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa cravos*. 

* Adaptado do original.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Carta aberta ao amor de ontem

Eu sei que você acordou no meio da madrugada. Confuso. Perdido.
Que você ficou parado, ouvindo o silêncio do quarto que não é seu, do mundo que você não quer, no silêncio da noite que dormia. Até ela, em paz. Mas você não. Tantas coisas pra pensar... Tantas decisões para tormar.  E rostos que te sorriem, e faces falsas, todas ao mesmo tempo, se repetindo. Mas foi meu nome, meu cheiro, meu jeito doce que, por fim, ficou. O meu amor é como uma âncora em meio a essa tempestade. Meu amor de ontem.
Eu te amo.
Apesar e por causa de tudo.
Vou permancer te amando, mesmo que a maré da vida mude e a correnteza dê um rumo diferente para nós. Você vai permancer no meu coração, apesar de todos os nãos.
E, como um sonho bom também nos acorda na madrugada, espero que sejamos essa parada no silêncio do mundo. Talvez deixemos que outra chuva repita o amor da terça, que foi o mais belo que já tive.
Que guardei e resguardei das palavras, pois elas simplificam, reduzem, empobrecem.
Que o vento leve, que a chuva lave, que o tempo passe...
Eu sou quieta, eu sou delicada. Minha fúria é defesa, sempre.
Tenho permanecido observando as marés da vida fluirem e refluirem...
Tenho tentando aprender a ficar no olho do furacão da vida.
Aprendendo que às vezes "eu te amo" quer dizer "somos amigos". Tão banalizadas as três palavrinhas, tão difícil não perder a esperança...