sexta-feira, 29 de abril de 2011

Apreciando a companhia dos lobos


Tenho passado dias ao lado dos lobos. Deixei um pouco a companhia dos gatos, bons conselheiros para assuntos individuais, mas que não me dão a segurança quente da matilha. Deitamos juntos, eu e os lobos, mantendo a temperatura com nossos próprios corpos. É sempre junto a eles que recobro a mulher selvagem que vive em mim. Lá, onde minha natureza mais profunda vem me resgatar, como uma mão que sai de dentro da floresta densa, e me puxa para seu âmago. Onde posso correr, meu corpo nu, meus cabelos ao vento. Onde posso gritar e rolar pela grama, de tristeza ou de alegria.
Nada de civilidade. Nada de ser educada “como te ensinamos”. Lá eu sou livre. Lá a loucura humana quase não me atinge. Lá há tempo para tudo.
É junto à matilha que tenho resgatado minha beleza, minha auto-estima, meu prazer de viver. Quando tudo fora da floresta densa me aponta um dedo de acusação por eu não ser boa o suficiente, bela como o “modelo”, capaz como a vida exige, eu me refugio.
Na natureza selvagem interior posso beber a água do córrego, sentir o sol manso na minha pele, perseguir as borboletas. Meus irmãos lobos me permitem saber o que é o amor, o carinho, o companheirismo e a segurança de “fazer parte”.
Depois que me recarrego disso, que quase não existe mais na vida humana, volto para ela com mais forças. Em geral acontece assim.
Dessa vez não sei se vou voltar...
Talvez eu volte se ou quando algo na vida humana seja mais verdadeiro que a companhia dos lobos. 

domingo, 24 de abril de 2011

Cena de um poema real

Ela sonhava muitas coisas em dias assim chuvosos e felizes. Lia Rilke:

“Quem se verte como fonte, conhece-o o conhecimento,
que o segue, fascinado, pela serena criação,
na qual o começo é o fim e o fim o começo, amiúde”.

Gostava da sensação de ser embalada ao ler – a chuva batendo de leve na janela e as palavras deslizando pela mente. Ele ali, deitado na cama, o som do seu sono preenchendo de vida a manhã silenciosa do domingo. A cama quente, a luz tépida passando com graça pelo entrelaçado linho da cortina.

Ela parava – pausa calculada – para contemplar os cabelos grisalhos dele, espalhados no travesseiro. Neruda segredou, do livro aberto sobre a cama:

“Nos bosques, perdidos, cortei um ramo escuro
e os lábios, sedentos, levantaram seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
uma companhia vermelha ou um coração cortado”.

E ela ficou pensando quem havia cortado tão belo coração e chorou por ele, baixinho, para não acordá-lo.  E o vento elevou o linho, acariciou os cabelos dele e virou as páginas de Neruda:

“Em teu abraço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,
E tudo vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso vê-lo todo:
veio em tua vida todo o vivente.”

E os culpados por ela abandonar, por fim, os livros, a razão – servindo eles  doravante de lastro ao amor – não foram os deuses, mas a chuva, o vento, o som da vida que ele emanava docemente. 


Nada foi preciso dizer, eu te amo já é tudo.

sábado, 16 de abril de 2011

The ladies from Outside


Da esquerda para a direita: Verena, eu, Isabel, Vivian.
Ritual de Beltane 2008 (saudades)

Onda e pedra


Noite. Mar escuro e profundo.
Onde Ode Onda Prata.
Estrela estrale na pedra negra
Seu corpo de água
Fluida corrente, força compacta,
Espuma macia...

Onde quebra a pedra.
Onde a onda bate.

Corpo sem forma,
deformAção.
Não há pedra que não quebra.

Sob a minaAção,
minando, obtém
forma onde forma onda.
Beija a pedra que se quebra
Ante o poder do não poder.

Correm nos meus dedos longos,
em versos tristes que invento...

terça-feira, 12 de abril de 2011

Minha estranha capacidade de me apaixonar



Caros leitores, vocês estão acostumados às minhas crônicas e poesias por aqui, mas hoje vou falar um pouco das paixões.
Estou apaixonada. Certo, logo vocês pensarão que me refiro a um caso amoroso, não é isso?
Sim e não.
O fato é que descobri há algum tempo uma capacidade muito esquisita que tenho: apaixono-me pelas pessoas muito facilmente. Até aí tudo bem, mas e se eu disser que me apaixono por várias ao mesmo tempo? E seu eu disser que essas pessoas (homens, mais claramente), me fascinam por motivos os mais variados?
Um modo de falar, o humor, a inteligência. A beleza, claro, mas nem sempre. Um jeito delicado ou tímido de se aproximar. Uma vez me vi apaixonada por causa da energia, muito forte, que um rapaz passou ao tocar meu braço. Paixões que vão e vem na mesma disparada rapidez. Agora, leio o texto de um aluno e estou apaixonada.
Acho que é um dom, na bruxaria chamam de empatia, talvez seja isso. Empatia é mais que simpatia. Sinto como uma atmosfera, a atmosfera do rapaz, sua vida, seu modo de falar, seu humor refinado, todo um conjunto de sensações, como ondas, me atravessam. Outro, não aluno, mas professor, tem olhos doces, verdes. Fixam em mim com insistência tal que posso sentir seus pensamentos. Deixa na pele uma sensação de corrente elétrica. Apaixonei-me também pela fragilidade de um homem. Sinto toda a carga de tristeza que há nele, na vida que teve até agora. Na dor profunda que carrega, mas não quer dividir comigo... fica na mente a sensação do mistério... Noutro, não há dissimulação nenhuma, declarou com firmeza suas intenções. Gosto da franqueza dele. Paixões...
Quem já se deixou tocar pela onda macia e quente da maré cheia, pode imaginar melhor essas sensações que me envolvem. Levantam um pouco do chão, carregam docemente ao universo alheio.  Eu me deixo levar por elas, fascinada. Sou fraca para paixões.

sábado, 9 de abril de 2011

Lavanda



Um campo violeta
Esmaecido violeta violento das passagens
Plantação de lavanda
Colorindo seus olhos claros.

“Por favor, olhe para mim” - doía.

Plácido campo movendo-se suavemente
O que comanda a maré das coisas?

“Não quero olhar, porque quero demais” - dói ainda mais.

Seu perfume, lavanda, quem te deu esse direito?
Plácidas dançarinas, indiferentes.
Lembram-me teu jeito, tua suavidade.

“Olhe pra mim” - a iminência da mudança.
O que devo esperar?

Fico lembrando teu beijo
Deixo ficar assim...
Suave como esses campos de lavanda.