Sábado fui desfrutar de um
paraíso natural que ainda resiste em meio à especulação imobiliária que toma
conta de Natal. Chamamos de Prainha, uma pequena enseada pontilhada e rendilhada
de pedras, e banhada por um doce e cálido mar de um lado e pela exuberância de
uma encosta protegida por pequena faixa de mata virgem. Não há viva’lma, como
dizia minha avó, a quebrar a magia que ainda vive naquelas pedras, naquele
local onde se pode, por horas a fio, ficar contemplando a mansidão de um lugar
entre os lugares.
E lá estava eu, sentindo as
emanações poderosas da Mãe Natureza, mirando o passeio lento das ondas pela
areia fina, sentindo o vento cantar na mata da encosta, quando um belo lagarto
verde escuro, lustroso como uma enguia, sinuosamente saiu da mata em direção a
aglomerado de pedras. Ele seguiu, olhando para mim e meu amigo, e ponderando
nosso grau de ameaça por alguns instantes, percebeu que menor ameaça não podia
haver no mundo. Estando nós dois de respiração suspensa, maravilhados com o que
consideramos um magnífico presente! Então seguiu, calmamente seu roteiro prévio
como se eu e meu amigo fossemos como as pedras da praia, nem mesmo como as
árvores que se mexiam frente a força dos ventos.
Que alegria há em tão
singela aparição! Como estamos acostumados às grandezas artificiais de uma vida
que supostamente é essa aí mesmo. Amo a natureza por sua sutileza. Recado veio,
minutos depois, quando eu estava tranquilamente deitada na areia, sob a sombra
de uma árvore de cheiro. Num pequeno sussurro ao pé do meu ouvido, uma
lembrança de algo que não sei bem o que moveu meu impulso de me levantar e
seguir rumo às pedras escuras. Chapinhei feliz nas poças que se formavam,
sentindo a quentura do sol nas minhas costas e eis que dentro de uma das poças,
uma pedra me chamou a atenção. Para minha surpresa, apesar de seu tamanho ela
facilmente veio quando a removi. É uma pedra com um furo no meio! Uma pedra
mágica! Um presente maravilhoso da Deusa!
Não preciso dizer o quanto voltei
feliz desse passeio ao paraíso da Prainha. A pedra encontra-se devidamente
colocada em posição de destaque no meu altar, claro. E eu, feliz da vida, posso
ver melhor agora o que via antes.
A pedra que me achou. |
Olhando por ela. |
Sobre a magia das pedras
furadas.
As pedras furadas são
consideradas tradicionalmente como mágicas, presentes do mar. Podem ser usadas
penduradas acima do leito para proteção, bem como se forem pequenas levadas ao
pescoço com um cordão.
As pedras com um orifício
natural são associadas com a Deusa e com as fadas. Podem ser portais para o Outro
Mundo e na Tradição Oculta dizem que uma pessoa pode ver fadas ao observar
atentamente com o olho esquerdo através do buraco da pedra.
Ao assobiar pela abertura
convoca-se as hostes dos mundos elementais, também espíritos, segundo o
folclore europeu. Pode ainda ser tocada como um sino no ritual ou derramar-se
por sua abertura libações de leite e vinho (neste caso a pedra é usada apenas
para esse fim ritual, pois pode servir de oráculo revificado)*. Na bruxaria
italiana, acredita-se que as pedras furadas podem ser habitações de espíritos
que ajudariam a bruxa em seus trabalhos mágicos.
A pedra furada é considerada
também Pedra da Deusa, sua representação fenomêmica, consubstanciada na mimese
da Natureza, na antromorfização, ou seja, por assemelhar-se ao corpo feminino,
sendo o buraco a abertura do ventre da Grande Mãe Neolítica.
Mas, no caso da pedra furada
marinha essa representação recebe o, a meu ver, magnífico poder do mar
primordial, sendo ela uma obra, uma passagem natural de um a outro mundo,
formada pela própria ação da água oceânica. E toda a simbologia do mar como Mar
Amargo, inconsciente e berço da vida, toma forma na matéria agregada de vida
que é a rocha marinha. Ela é viva, pulsante, vibrante e antiga.
Assim como as conchas, as
pedras furadas podem e devem ser ofertadas como oferendas para a Grande Mãe.
Podem também ser usadas (e
aí uma vez usada para esse fim, não deve ser para outros) para banhos de
purificação. A pedra furada é colocada na água junto com sal marinho.
*Esse conhecimento me foi
passado por outros meios, não literários.