terça-feira, 24 de maio de 2011

Apenas uma menina


 Podia chamar-se Maria, se se quisesse, pouco importava. Ou Madalena. Ou Hipatia. Talvez enganassem alguns, fazendo-lhes crer outra coisa além do que ela era, internamente, aqueles seus cabelos vermelhos e olhos penetrantes. Mas era uma solitária de hábitos um tanto estranhos. Os outros a temiam em algum grau, essa Maria tão menina. Assumida menina, assumida em seus sentimentos.

Amanhecia o dia, chuvoso ou com sol, de lua, de primavera ou de verão, sempre do mesmo modo: coberta do lado, despertador de luz, corredor, xixi e chaleira a chiar. Os cabelos revoltos mais vermelhos refletindo o lume, como suas ancestrais em tempos idos. O fogo que transforma, que cozinha, que aquece.
Bebia o café ali mesmo em pé, junto a pedra do fogão, uma perna dobrada, se apoiando na outra... 

Às vezes acontecia, sem que ela quisesse ou planejasse, como nesse dia: uma visão.

De súbito e alheia a sua vontade, ficou parada, olhos fixos, vidrados na chícara de café. Um redemoinho brilhante e negro, girando, girando, girando... E viu um rosto, um destino, uma resolução. Os sons do mundo ainda acordando, distantes, sem sentido, sem espaço, sem tempo. E uma resposta veio. Clara, objetiva.

E num segundo seguinte, dado que não se mede em tempo humano, voltou. Foi o roçar do corpo do gato, a porta que bateu com o repentino vento gelado. E o café esfriou. E ela não acreditou na resposta. Não sabia o porquê, talvez fosse melhor não acreditar. Oráculos davam-lhe falsas esperanças? Magia causava dor?

Preferia ser Maria menina. Menina somente, a atitude inocente. Talvez a melhor atitude...E deixar que o tempo batesse à sua porta com um sorriso benevolente, trazendo-lhe a resposta. Pessoalmente.

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