terça-feira, 7 de junho de 2011

De instantes de terças



Ele enxugou a lágrima que escorria lentamente do rosto delicado dela. Apesar de tudo, do fim acertado, um sorriso. Como ele gostava daquela boca bonita, sensual, sorrindo... Ela era doce, voz suave, olhos vivos. Estavam os dois assim: mergulho num abismo macio e envolvente. 

Um bar. Uma mesa. Luz quente banhando de suavidade a cena.

Todos os detalhes ampliados pelo instante único e eterno da terça. Chuva. Vento. Trânsito, como a música de esferas múltiplas a se chocarem. As vozes, apenas pano de fundo. 

Só existia ela, só existia ele. 

A poesia dela era só para ele. Assim também o riso e o choro. Um certo teor alcoólico no beijo inesperado. Tão desejado e evitado. Um beijo e as armas da racionalidade se vão. Mero impulso e instantes irreversíveis. E o álcool traz a tona verdades loucas, pensamentos que não deviam escapar, escorrer macios da mente à língua.

Da língua à boca. Da boca à boca. Da boca à pele. Da pele à pele.

E a chuva.
E a noite.
E a terça que só ela e ele sabem...

E a licença poética permite que se ouçam ao fundo as palavras de Neruda: 

Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em Natal não amanhece ainda a primavera.
Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.
Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Bagé,
pensar que separados por trens e nações
tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa cravos*. 

* Adaptado do original.

3 comentários:

  1. Obrigada Jopz. Sempre lendo meus textos e comentando. Obrigada.

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  2. Eu passo horas e horas perambulando pela internet... vejo e leio dezenas e dezenas de posts, raros são os que merecem um comentário, mas aki é uma exceção... sempre compartilho e aprendo algo com os seus ensinamentos, talvez pq vc consiga escrever com tanta sinceridade.

    JOPZ

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