quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Contos Inacabados

O Bosque dos Agoniados

Por Luz Le Fay
Três


O velho Alexandro deu um sorriso maroto.
- Tem mulher nessa jogada? Hein? Hein? – falou cutucando o braço de Paulo, que odiava isso com todas as forças.
- Não cara...
-Não tem galho, mas vou te avisar, ninguém pode sonhar que te deixei ficar no laboratório no final de semana! – falou o bigodudo Alexandro, ainda com o sorriso maroto no canto da boca.
Paulo, que preferia se ver livre logo do cara e conseguir seu intento, deu uma risada de cúmplice e bateu no ombro do Alexandro, guardando as chaves do laboratório rapidamente.
- Mas me conta, quem é a garota?
Paulo deu uma risada, que achou mais apropriada que uma resposta, e foi deixando a sala do bigodudo que ainda lhe lançou uma piscadela.


Aliviado, Paulo seguiu a passos largos pelo corredor, cumprimentando um e outro aluno que passava. Seguiu para a o laboratório.
Era a primeira parte do plano já em andamento. Ficaria as duas noites do final de semana vigiando o bosque, as árvores, os baquinhos da praça e a mulher misteriosa.


Paulo soubesse ou não, naquela mesma noite haveria uma lua muito estranha no céu, rajada de fluidas nuvens, como se alguém houvesse passado a mão sobre um véu de fumaça branca e translúcida. Um círculo avermelhado também circunscrevia a bela lua cheia de verão.
Cedo da noite, Paulo se posicionou numa das janelas do laboratório de informática da universidade, de onde tinha uma visão ampla.
Estava obcecado pelo mistério.


E hoje ele descobriria.


Por volta das 23 horas daquela sexta-feira o campus inteiro já estava deserto. Um silêncio sepulcral parecia pesar ainda mais o ar quente da noite. Nunca parei para observar como isso aqui é sinistro quando vazio... Coçou os olhos que já ardiam de tanta fixação.
Fora um pio de coruja e a movimentação de gatos e gambares nas árvores, tudo estava tomado do mais profundo silêncio, as árvores mal sediam à brisa morna da noite.


Tudo parecia esperar...


Uma enorme nuvem cobriu temporariamente a lua e Paulo escorregou para o sono que teimava em fechar-lhe os olhos.

Silêncio.

Silêncio e escuridão.

De repente, um grito esganiçado cortou o ar com força de uma espada, ecoando pelo bosque a dentro. Paulo quase caiu da janela quando pulou alarmado. Desgrenhado, com os olhos ardendo e fora de foco, tentou ver o que se passava lá fora.


O grito se repetiu, seguido de uma voz baixa e sinistra que fez todos os cabelos de Paulo se eriçarem de só vez.


A nuvem finalmente descobriu o olho claro e prateado da lua e os raios insidiram sobre a cena insólita. Tão insólita que Paulo até hoje não sabe se pode confiar na sua sanidade mental:


Havia um homem e uma mulher.
Paulo reconheceu o rapaz que viera a seu escritório e o ameaçara com aquela conversa estranha, que agora não parecia assim tão desprovida de algum sentido, mesmo sabendo Deus qual seria. A mulher era a mesma que ele também vira, a misteriosa criatura que desaparecera na praça.


O homem gesticulava para ela, calmamente... parecia apontar para o alto. Enquanto a mulher mostrava-se claramente desesperada, e não havia dúvidas que o gripo fora dado por ela. Paulo esticou o pescoço para fora da janela e concentrou toda sua atenção na cena, tentando ouvir o que era dito.
- Não lute – dizia o sujeito que usava um sobretudo negro, embora fizesse um calor insuportável.
- Não... não! – exclamava a pobre mulher puxando o braço que o rapaz agora segurava com aparente delicadeza – o que eu fiz para merecer isso?! Por favor, por favor não!! – agora começava a aumentar a voz que resoava entre as árvores.


Os olhos faiscantes do rapaz se fixaram na sua pobre vítima e ela emudeceu de repente, como um rato fica paralisado ante uma naja.


Paulo não agüentava mais, já fazia menção de ir em socorro da mulher quando um vendaval ululante chegou até o bosque. As árvores se debatiam com a força das rajadas dos ventos, um uivo feroz vinha de toda parte onde o vento pentrava por entre os galhos, as frestas dos telhados. A janela onde Paulo se achava começou a zapiar de um lado para o outro perigosamente. Os gatos disparam com seus olhos espelhados votando-se assustados para todo lado. No meio daquele pandemônio, nenhum ser vivo parecia ter restado pelos arredores.


Paulo segurou a janela com força e tentou em meio à ventania novamente localizar o casal.


De repente os dois não estavam mais lá!


Nada.


O vento foi acalmando, as árvores parando de balouçar-se fortemente. A janela cedeu vagarosamente. E Paulo alucinado saiu correndo em direção à praça, a procura de algum dos dois, ou de qualquer indício deles. Algo que não deixasse que aquele mistério ficasse para sempre inacabado.


Nada.


Mas, não sabendo porquê, a luz da lua chamou a atenção de Paulo que levantou a cabeça e viu a estranha formação no céu. O círculo estava agora sem a névoa esfumaçada. A lua já descera muito. E o céu passara a mostrar suas estrelas.


Primeiro viu as três estrelas encarrilhadas. Constelação de Órion.


Depois sua vista se firmou melhor e ele viu. O caçador estava pomposa e claramente apontando sua espada para o Sul. Paulo instintivamente seguio com o olhar a direção da lâmina. E lá, bem embaixo dela uma árvore enegrecida rasgara a passagem de cimento da praça, para estranhamente posicionar-se onde não devia. Não lembro dessa árvore aqui antes...


Paulo aproximou-se mais e ouviu um choro baixinho.


- Vá embora... vá embora... - disse uma vozinha vinda de dentro da exótica árvore.


Seus pelos eriçaram-se ainda mais e ele, com muito medo rapidamente voltou para o laboratório, trancando todas as portas e jurando a si mesmo que tudo aquilo não passara de um sonho.

De uma loucura causada pela lua e pelo calor do verão.



***



Passadas dali algumas semanas, Paulo passeava pelas estantes da biblioteca e de repente encontrou um livro intitulado: Ritos de Morte. Folheou até parar numa página onde se lia: "como os povos arcaicos enterravam seus mortos no oco das velhas árvores, podendo algum deles perpetuarem-se para a eternidade como verdadeiras árvores...". Mais a frente "... muitas das almas fugitivas que vagam pela terra são recuperadas pelo velho caçador que vem buscá-las nas noites frias do inverno do hemisfério norte..."


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