terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O leve fardo


''Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminando a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''

Assim a pintora mexicana Frida Kahlo descreve um estado alcançado por ela em decorrência de uma vida de sofrimentos, angústias e decepção amorosa. Mas também de elaboração disso tudo através da arte. Para conhecer a história dessa mulher fantástica vá AQUI.

Processos vários podem levar um ser humano a iluminação ou ao relâmpago que ilumina a noite escura da alma. Descreve-se como que uma fração de instante em que tudo se esclarece e a visão torna-se plena. Todo o conhecimento é dado "de uma só vez" e o sujeito a partir dali nunca mais será o mesmo. E tudo pode ser visto e compreendido e tudo é ao mesmo tempo, em unidade. A experiência, claro, transcende as palavras, mas Frida chegou perto da descrição, artista que foi, da aura numinosa do fenômeno. 

Talvez se assemelhe à compreensão de que ao sair da roda viva, ou melhor ao mater-se em seu núcleo de forma plácida e serena, se possa ver tudo com clareza e nitidez. Gosto da metáfora que fala que passamos a vida girando enlouquecidamente no vórtice do furacão, a iluminação seria a chegada a centro, ao olho do furacão, o lugar mais calmo, seguro e, onde toda a força se concentra e de onde se pode contemplar a roda da vida.

Mas o centro da mandala alucinada é justamente o local onde se acredita estar a destruição maior, e muitos passam a vida girando, perdidos na ilusão da passagem ininterrupta de coisas, fatos, pessoas. As vezes, como Frida, a eminencia constante de colapso, de morte e de aniquilação de si mesma pode transformar a morte na vida. Para ela a dor trouxe a iluminação.
Mas esse não é o único caminho.
Não temer o olho do furacão e ter coragem de correr exatamente para debaixo dele é a coragem exigida àqueles que desejam trilhar o caminho da sabedoria. E daí em diante ter força para carregar esse leve fardo pelas áridas terras desse "planeta dolorido".

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