domingo, 4 de março de 2012

O Eu-sombra e os Outros


Toda hora estamos todos ouvindo falar em trabalhar a sombra. Especialmente na Bruxaria, que tem por aspecto mais importante esse trabalho. Muitos a definem por essa busca de equilíbrio, ou tensão, entre a luz e a sombra. Para cada um, no entanto, definir a bruxaria é um caso particular e pessoal, assim como o trabalho da Arte deve ser. Mas, o que é a sombra? Jung, autor dessa definição do lado obscuro e negado do Ego (do Eu), a emprega como relativa ao que de inconsciente existe na alma humana, seu lado negado acima de tudo, o que para a personalidade é seu lado feio e terrível. Na busca da Individuação Jung diz que o trabalho com a sombra é extremamente importante.
Mas, para nós bruxos o que é a sombra? Citei a definição de Jung, primeiro por ter sido ele seu empregador mais frente em seus estudos, segundo porque é a definição de sombra que mais se aproxima da nossa. Sombra é, portanto, aquela nossa face que não se reflete em nós mesmos. E, se reflete até, porém na maioria das vezes não a observamos. Como quando o sol está a pino sobre nossas cabeças, nossa sombra real se posta sob nossos pés e acreditamos que ela não existe. Essa é uma ótima alegoria para esse fato. Luz, ou a crença dela em demasia, torna mais escondida ainda a sombra. Porém ela continua lá, existindo. A sombra é nosso lado negado como quer Jung, mas é também nosso lado escondido, não só de nós mesmos como dos que nos cercam. Saber o que é a sombra não é, afinal, tão difícil. Faz-se mais trabalhoso enxergá-la, esse ser da noite e do escuro, assim como aceitá-la e trabalhar com ela.
Enxergá-la é um fato curioso. Curioso porque, na minha opinião, é o único processo em que se pode realmente contar com os Outros, mesmo que apenas superficialmente. Podemos nos abrir para as críticas, para os apontamentos e a partir daí iniciar nosso trabalho. De fato, nesse caso os Outros terão papel até certo ponto ativo, porque nos processos seguintes esse papel é passivo, como veremos.
Se abertos estivermos a ouvir e ver pelos olhos dos outros, estaremos dando o primeiro passo no trabalho da sombra. Ora, os outros podem vê-la projetando-se, de certa forma melhor que nós. Ë muito engraçado ver alguém tentar alcançar sua própria sombra correndo até ela como um louco, como o louco do tarô. Ele nunca a alcançará de fato, pois que ela o acompanha sempre. Ela está ali, não há o que buscar. A sombra é você, seu reflexo no material. O reflexo que seu corpo, iluminado pela luz, lança nos sólidos. A sombra é seu movimento, sua parte inconsciente e seu duplo aspecto tosco, caricato, mas é você!
Sabendo que ela existe de fato e que o trabalho a ser feito não é de combatê-la ou elimina-la, como alguns podem pensar, sabemos agora que o trabalho com a sombra é algo mais sutil. Eu diria que o elemento de trabalho da sombra não é externo, como o corpo físico ou os corpos ao seu redor, diria que ele é interior. Diria que a luz da Lua Esotérica é seu elemento, o feminino é seu regente. Explico. Se observarmos a carta da força, no baralho de Marselha, temos lá uma mulher que delicadamente segura um leão pela boca. Ao contrário do que o título da carta pode sugerir, ela não lhe aplica uma força física, há ali em ação uma força muito mais sutil. E o fato de ser uma mulher a aplicá-la não é a toa. Esta mulher é a representação do feminino em ação, do feminino que existe em cada um de nós independente de nosso sexo. A força que devemos utilizar no trabalho com nossa fera interior, nossa sombra, é esta. É a força da passividade ativa. Aplicando-lhe uma força que não força.
No trabalho da sombra isso se traduz como uma domesticação dos “defeitos”, de uma convivência passiva e proveitosa de nossas forças internas. Nossa máscara, nossa persona como diria Jung, não é forjada apenas das luzes do sol, da lua e das estrelas, ela também se compões do obscuro crepúsculo, da imensidão do cosmo, do fundo escuro do mar. Ela, nossa máscara, é uma Deusa caprichosa e indomável, ou convivemos com ela, MOLDANDO-A, na sua maleabilidade divina, ou partimo-la em mil pedaços e fazemos outra para nós. Essa atitude, embora radical, muitas vezes se faz necessária. Como toda Deusa, nossa máscara não admite meios termos. As faces do grande diamante brilham todas ao mesmo tempo, mas cada uma reflete por sua vez. Isso torna muito difícil enxergarmos em nós nossa divindade. Nossa máscara é nossa chave para a evolução. Ora, o que já temos de correto e luminoso (É difícil não usar de dicotomia) já é em si divino, porque o que há em nós de obscuro e maléfico não o seria?
No entanto, é mister deixar claro que, não é porque a sombra e sua dicotomia - o mal, seja parte da Grande Divindade que esta face não precise de uns ajustes. Moldar o bem e moldar o mal de nossa máscara é um processo infinito, pois movendo a sombra movemos a luz.
Assim, aceitando esse fato, o de que existe em cada um de nós e em tudo uma sombra que o delineia, é preciso usar esse poder para elevar-nos em nosso caminho. Aqui o trabalho com a sombra ainda se faz através dos Outros, esses seres de energia passiva. Porque os outros são passivos?, poderia perguntar você, já que eles a toda hora se zangam com nossas falhas. Eu te responderia que a reação é mais que natural, é um lei da física. Os Outros são na realidade passivos porque são nossos espelhos. É nos Outros que nos enxergamos, sem os Outros não seriamos Nós. A relação Eu-Outro é muito debatida no meio psicanalítico, mas ela é um fato. Nossa sombra se projeta a nossas costas ante a luz do outro, mas ele também tem sombra, e esse jogo torna a experiência fascinante. Quanto mais luz você for, mas ofuscado se sentirá seu espelho e menos você se verá. Mistério do Caminho...

Entretanto, trabalhar com a sombra não é esperar que os Outros resolvam seus problemas. Trabalhar com a sombra envolve a maior força do universo, aquela que atrai, une, gera e concretiza: o amor. AH! Você poderia dizer. Então é só amar ao próximo! Não é só isso. Amar ao próximo sem amar a si mesmo não é algo que funcione bem. Só podemos amar os Outros quando pudermos amar a nós mesmos. Porque assim veremos nos espelhos, que são os Outros, todo o amor que temos. E sendo nós mesmos espelhos para os Outros, refletiremos esse amor pelo infinito das reproduções de imagens que se obtêm quando se colocam dois espelhos de frente.

6 comentários:

  1. gostei! vinha lendo e esperando por essa parte: "Nossa sombra se projeta a nossas costas ante a luz do outro, mas ele também tem sombra, e esse jogo torna a experiência fascinante. Quanto mais luz você for, mas ofuscado se sentirá seu espelho e menos você se verá. Mistério do Caminho..." quase comentava sobre ela antes de terminar a leitura para não perder meu raciocínio, mas resolvi terminar primeiro e pronto, vc explicou minha dúvida!

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  2. ia perguntar se vc já tinha passado pela experiência de uns outros falarem da sua sombra e nesse discurso vc notar q estava tbm a sombra desses outros q eles viam em vc... e assim sucessivamente.

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  3. Oi Sara, já demais rs... Em geral é isso mesmo que acontece, toda a agressividade das pessoas com problemas sérios de sombra é justamente a projeção nos outros de sua própria imagem, nesse caso negativa. Outra questão importante é que quanto maior for a baixa-estima, maior será a sombra (aspecto negativo do Ego).
    Beijocas

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  4. Há algo a se fazer? Ou só fugir pro outro lado mesmo? rsrs

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  5. Sara, vc poderia comentar no grupo para uma discussão com todos... por que não?

    Simone!

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  6. Achei mais fácil fazer isso aqui, olhando pro texto, mas de qualquer forma quem está lá tem acesso aqui... mas curti e comentei seu comentário lá...

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