quinta-feira, 18 de novembro de 2010

É só você também querer


Tarde de domingo. 
Daquelas feitas de céu violáceo, altíssimo, indiferente céu que do alto mira os mortais.
Uma mesa do canto, a mais discreta. Um casal.
Ela, olhar desesperado. Ele, irritação. 
Há tempos não havia mais cartas, não havia mais mão na mão. Nem beijo roubado, nem sorrisos cúmplices, nem madrugadas claras.
Restara a solidão da mesa discreta, onde dois não são mais um. 

- Porque tudo mudou? - ele disparou, batendo na mesa.
Ela desviou o olhar. 
- Quem pode saber. - Não há culpados, nem para os começos nem para os fins.
O garçon se aproxima, não gosta mais de ver casais, pois o fazem lembrar-se do que não viveu, por medo.
- Café? Cardápio? Quando decidirem eu volto...
- Podemos tentar... - ele tentou.
- As coisas não são assim... - disse ela, rodeando com o dedo a boca da taça, como se fosse um universo.
Ele exitou por um instante, era a hora da frase tantas vezes ensaiada, fruto do desarme da razão:
- As coisas podem ser como quisermos... é só você também querer.

O universo de súbito tomou forma, se expandiu. Ela mirou para além de tudo aquilo que passou. Mirou o espaço, mediu o tempo, tomou o fio das mãos das Moiras. 
Podemos mudar, mudar pra valer.
A mesa, no canto, tudo ao redor se diluiu num turbilhão. Os olhos dela, os olhos dele. Comunicação para além das palavras. Revolução. Resolução.

O garçon volta à mesa do casal, aquele que nada pediu, para saber o que vão querer.
Mas lá não estão. Resta apenas uma taça quebrada e um bilhete escrito às pressas num guardanapo:

"Desculpe pela taça. Não pagaremos. Universos desfazem-se a toda hora. Mas sempre podemos recomeçar em outro lugar, em outro tempo. É só você também querer".

3 comentários:

  1. Rápido e rasteiro. Seus textos são muito bons. Já presenciei discussões de casais em mesas de bar e são quase iguais a essa. Leia os meus textos também. Abraços.

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  2. Obrigada Jopz e Lillo. Comentários são termômetros. Lillo vou ler.
    Beijo

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